A Escola Portuguesa

Um poema de Guerra Junqueiro sobre a Escola Portuguesa, datado de 1896.
Um poema que me tem dado que pensar.
Tão actual como há cento e tal anos.

A Escola Portuguesa

Eis as crianças vermelhas 
Na sua hedionda prisão: 
Doirado enxame de abelhas! 
O mestre-escola é o zangão. 

Em duros bancos de pinho 
Senta-se a turba sonora 
Dos corpos feitos de arminho, 
Das almas feitas d'aurora. 

Soletram versos e prosas 
Horríveis; contudo, ao lê-las 
Daquelas bocas de rosas 
Saem murmúrios de estrela. 

Contemplam de quando em quando, 
E com inveja, Senhor! 
As andorinhas passando 
Do azul no livre esplendor. 

Oh, que existência doirada 
Lá cima, no azul, na glória, 
Sem cartilhas, sem tabuada, 
Sem mestre e sem palmatória! 

E como os dias são longos 
Nestas prisões sepulcrais! 
Abrem a boca os ditongos, 
E as cifras tristes dão ais! 

Desgraçadas toutinegras, 
Que insuportáveis martírios! 
João Félix co'as unhas negras, 
Mostrando as vogais aos lírios! 

Como querem que despontem 
Os frutos na escola aldeã, 
Se o nome do mestre é — Ontem 
E o do discíp'lo — Amanhã! 

Como é que há-de na campina 
Surgir o trigal maduro, 
Se é o Passado quem ensina 
O b a ba ao Futuro! 

Entregar a um tarimbeiro 
Um coração infantil! 
Fazer o calvo Janeiro 
Preceptor do loiro Abril! 

Barbaridade irrisória, 
Estúpido despotismo! 
Meter uma palmatória 
Nas mãos dum anacronismo! 

A palmatória, o açoite, 
A estupidez decretada! 
A lei incumbindo a Noite 
Da educação da Alvoradal 

Gravai na vossa lembrança 
E meditai com horror, 
Que o homem sai da criança 
Como o fruto sai da flor. 

Da pequenina semente, 
Que a escola régia destrói, 
Pode fazer-se igualmente 
Ou o assassino ou o herói. 

Desta escola a uma prisão 
Vai um caminho agoireiro: 
A escola produz o grão 
De que a enxovia é o celeiro. 

Deixai ver o Sol doirado 
À infância, eis o que eu vos peço. 
Esta escola é um atentado, 
Um roubo feito ao progresso. 

Vamos, arrancai a infância 
Da lama deste paul; 
Rasgai no muro Ignorância 
Trezentas portas de azul! 

O professor asinino, 
Segundo entre nós ele é, 
Dum anjo extrai um cretino, 
Dum cretino um chimpanzé. 

Empunhando as rijas férulas 
Vós esmagais e partis 
As crianças — essas pérolas 
Na escola — esse almofariz. 

Isto escolas!... que índecência 
Escolas, esta farsada! 
São açougues de inocência, 
São talhos d'anjos, mais nada.

Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias'



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